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segunda-feira, novembro 25, 2024

O Que a Bíblia Fala sobre o Aborto Intencional? Descubra Aqui

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Bruno Ferreira
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Além de sua atuação nas redações, Bruno Ferreira também explorou a era digital, envolvendo-se em projetos de mídia online, podcasts e outras formas inovadoras de contar histórias. Sempre em busca de novas formas de se conectar com o público, um defensor incansável da liberdade de imprensa e da importância do jornalismo independente na sociedade contemporânea.

Os debates sobre o aborto muitas vezes dividem fundamentalistas religiosos e aqueles que defendem um Estado laico e o pleno exercício das liberdades individuais.

Mas o que a Bíblia diz sobre o aborto?

A Bíblia não fala diretamente sobre o aborto, e as controvérsias sobre ele tendem a se concentrar em duas passagens, permitindo interpretações diferentes.

Esses trechos, detalhados a seguir, não abordam diretamente a interrupção da gravidez, mas são citados por alguns religiosos como indícios de que a Bíblia sustenta a posição de que o aborto seria pecado e contrário à vontade de Deus. Ao mesmo tempo, outros católicos argumentam que não há base para usar a Bíblia como base para condenar o aborto.

Duas passagens (do Antigo Testamento) que são frequentemente citadas são:

No início do livro do profeta Jeremias, provavelmente escrito no século 7 a.C., o autor se apresenta e, em seguida, introduz as palavras que o próprio Deus poderia ter falado. Ele começa seu discurso observando que ele disse a ela: “Antes de te formar no ventre, eu te conhecia. E antes que saias de tua mãe, eu te santifiquei.

Nos Salmos, os maiores livros que compõem a Bíblia, há outra referência a essa vida que já existia antes mesmo do nascimento. Na canção número 139, o autor louva a Deus e diz que “seus olhos viram meu corpo e ele ainda está indeformado”. Ele continua: “E em seu livro você escreveu todas essas coisas, que foram formadas então, quando nenhuma delas ainda era”.

“É importante ressaltar que a Bíblia enfrenta o problema do aborto enfatizando o valor da vida humana, aquilo que Deus pediu antes mesmo de estar dentro do ventre materno”, diz o padre Renato Gonçalves da Silva, mestre em teologia com concentração em Bíblia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e atualmente estudante de interpretação bíblica no Pontifício Instituto Bíblico de Roma.


“Essa mentalidade existe, de modo especial, em Jeremias [no trecho citado acima]”, analisa, enfatizando o duplo uso do advérbio do tempo “antes”, reforçando a ideia de que havia de fato vida antes do fato do nascimento.

“Antes afirma a verdade bíblica de que a vida humana vem de uma decisão eterna tomada por Deus, que em sua existência onipotente e sábia já moldou, conheceu e santificou a vida humana”, diz Silva.

O pesquisador ressalta que o verbo “formar”, originalmente “iatsar” em hebraico, “traz a ideia básica de um ato criativo realizado em um passado muito distante, que também pode ser entendido como o eterno presente que determina a existência de Deus, a pessoa que não tem passado nem futuro”.

“Em outras palavras, a criação da vida humana é uma decisão divina que é tomada de uma vez por todas e é sempre alcançada, independentemente das circunstâncias do mundo humano”, ressalta.

Vida possível

Quanto ao salmo, o historiador, filósofo e teólogo Gerson Lette de Moraes, professor da Universidade Presbiteriana McKenzie, comenta que “essa passagem é geralmente apresentada para dizer que a ‘matéria ainda sem forma’ é o processo primário da vida, então realmente haverá algo que realmente será uma pessoa”.

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“Porque toda a discussão é: ser pessoa ou não ser pessoa, quando a vida começa”, pontua Moraes. “Aqueles que se opõem ao aborto trabalham com a ideia de que a partir do momento da fecundação você tem alguém lá, criado por Deus, mesmo que todo o processo seja orgânico. A alma será dada por Deus, por isso Deus é o dono da vida, o Criador”.

O teólogo explica que, segundo essa lógica, Deus “conhece o passado, o presente e o futuro e, portanto, atacar aquela substância sem forma que será realmente uma pessoa constituiria um crime”.

É claro que essa interpretação não aconteceu da noite para o dia e há camadas filosóficas para estabelecer a compreensão religiosa a partir dessas poucas linhas.

Moraes aponta que se trata de uma lógica “emprestada do pensamento” do grego Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), no que diz respeito aos conceitos de ação e efetividade. “Pegando a semente emprestada”, contextualiza o professor.


“A semente tem a capacidade de se tornar uma árvore. É a mesma ideia que se aplica a uma pessoa. Mesmo que no momento da fecundação não houvesse braços, olhos formados, uma pessoa inteira, existe uma possibilidade. Assim, se você deixa essa força em seu processo natural, depois de nove meses você tem alguém que vem oficialmente ao mundo.”

Moraes entende que há poucas citações e referências bíblicas que permitam explicações sobre o aborto. Ele explica que, no âmbito da mentalidade religiosa, o debate acaba sendo marcado pela questão de entender Deus como “o Criador, o Dono da Vida”.

“Ele conhecia toda a vida antes de virem ao mundo”, diz. “Para uma pessoa religiosa, atacar um feto é um ataque à vida.”

“Direito à decisão”

O Catholic for the Right to Decision, grupo que costuma divergir da posição oficial da igreja em questões relacionadas aos direitos sexuais e reprodutivos, afirma que a Bíblia não pode ser usada para orientar a criminalização do aborto.

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“A questão do aborto não é uma questão bíblica. Os temas bíblicos dizem respeito às perspectivas de organização da sociedade, da vida e da linha de defesa da vida para todos. E a vida é abundante, diz a Bíblia”, diz a socióloga Maria José Rosado, professora da PUC-SP e presidente da entidade.

“Isso significa uma vida plena, o que para homens e mulheres significa controlar a capacidade de fazer outros seres humanos e ser capaz de fazer o que sua sexualidade e capacidade reprodutiva permitem aos seres humanos”, acrescenta.

“Quando a Bíblia é invocada para condenar o aborto, como fazem grupos neoconservadores fundamentalistas, conservadores e religiosos em geral, isso é feito reinterpretando as passagens de forma a permitir apoiar o que querem defender politicamente: restringir os direitos sexuais e reprodutivos”, diz o sociólogo Rosado.

“Na verdade, não há fundamento, não há base para invocar a Bíblia a favor dessa restrição”, diz. “Pelo contrário, como explicam as teólogas feministas, a Bíblia deve ser usada para expandir as possibilidades de alcançar uma vida plena.”

“A Bíblia não diz nada direto sobre o aborto. Não há uma afirmação categórica especificamente sobre o aborto. O que temos são versos que indicam que o homem já está formado no útero e como, desde o útero, desde o útero, o homem é um ser querido por Deus”, aponta o biógrafo Thiago Merki, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da Sociedade de Hagiografia, nos Estados Unidos.

O que as igrejas fazem é uma interpretação de certos versículos, continua Merkey. “A Bíblia não contém um mandamento que diga: ‘Não aborte’. “Temos o slogan ‘Não matar’, que os religiosos costumam usar para condenar o aborto também.”

Ele disse que muitas denominações religiosas usam trechos para “explicar” que o aborto é criminoso. “Não é uma afirmação, é uma explicação”, diz. “O que muitas vezes acontece é uma interpretação fora de contexto, para justificar suas crenças, interesses e ensinamentos”, diz.

O desenvolvimento do pensamento cristão

O coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP, biólogo e sociólogo Francisco Borba Ribeiro Neto, vê essas atualizações interpretativas como resultado da própria evolução do conhecimento humano.

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“A doutrina católica há muito tempo condena o aborto, que é entendido como o ato de matar uma criança ainda no útero. No entanto, a compreensão científica da gravidez e da gravidez mudou muito ao longo dos séculos, e textos mais antigos nem sempre formularam a proibição do aborto como proposto atualmente.”

“Isso abriu caminho para muitos autores considerarem que o aborto foi, de certa forma, aceito pelos cristãos na Antiguidade e na Idade Média. Essa interpretação, que imagina a proibição do aborto como algo moderno na história da igreja, não me parece fiel à evolução histórica das ideias”, diz.

Ribeiro Neto ressalta que tanto a maternidade quanto o aborto são “carregados de significados simbólicos e emocionais”. “É normal que haja sempre pessoas que, apesar de se terem declarado católicas, não tenham concordado com a autoridade pedagógica oficial da Igreja numa questão tão sensível. Na sociedade atual, o multiculturalismo permitiu que essas diferenças tivessem espaço no debate público”, explica o acadêmico.

No entanto, para ele, “o fenômeno cultural mais marcante, em relação ao aborto, foi a ascensão do individualismo e a tirania da autonomia individual”.

“No passado, a mentalidade hegemônica considerava a criança um novo ser humano, desejado por Deus, e a mãe não tinha direito absoluto sobre ela.

No momento, a mentalidade dominante comprova que a autonomia da mãe transcende qualquer outro fato, de modo que o direito do feto à vida é determinado pela vontade da mãe, ou pela vontade de ambos os pais, no máximo”, analisa Ribeiro Neto.

“Essa mudança cultural teve um impacto direto nas interpretações da fé católica e explica a unificação de grupos que tentam mudar a autoridade oficial de ensino da Igreja Católica sobre o assunto.”

Para o padre Renato Gonçalves da Silva, “a vida humana, antes mesmo de nascer” tem “valor exemplar na Bíblia”, sendo dada como dom “santo por Deus”.

Também faz parte do Antigo Testamento, o livro do profeta Isaías, provavelmente do século 8 a.C., há uma passagem que diz: “Assim diz o Senhor que te criou e formou desde o ventre e que te ajuda”.

Para Silva, essas passagens ilustram como “todos os seres humanos” foram criados “de forma muito concreta” no “ventre materno por Deus, aquele que, num tempo primitivo, decidiu a vida de todo um povo representado na forma singular de cada homem que compôs”.

“Para o cristianismo bíblico, a vida humana é sagrada, já no ventre da mãe, porque é uma extensão da vida do Filho de Deus, Cristo Jesus, que vive, de forma exemplar, em cada um dos seres humanos de forma única”, acrescenta o religioso.

Silva concorda que o assunto, no entanto, deve ser abordado na Bíblia “implicitamente”. Segundo ele, há dois motivos que justificam esse fato.

Primeiro, porque os textos sagrados “preferem enfatizar a santidade da vida humana, tentando convencer seus ouvintes a rejeitar o aborto por meio de argumentos positivos”.

Além disso, o padre argumenta: “Para a mentalidade do homem bíblico, o aborto é uma prática explicitamente condenada que não é digna de grandes sermões para ser definida como um grande erro”.

Embora não seja mencionado em todas as cartas da Bíblia, há registros mostrando que a criminalização do aborto fazia parte da mentalidade dos primeiros cristãos.

Em Didaché, texto de 16 capítulos escrito no primeiro século da era cristã, que serviu como uma espécie de catecismo, há uma passagem que diz: “Não mate o fruto do útero pelo aborto”.

Silva ressalta que “o cristianismo do primeiro século condenou explicitamente a prática generalizada do aborto entre os gregos e romanos”.

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